Testemunha de Si como Semente de Cidadania
- Postado por Sonia Menezes
- Categorias Cidadania
Sendo verdade que, numa mão, precisamos desenvolver a alteridade, para nos entendemos a nós mesmos, como seres diferenciados, individualizados, uns dos outros, na outra mão, precisamos ter uma conversa interna lúcida, conosco mesmos, para que consigamos ser assertivos, na relação com o outro.
Esses dois fenômenos são cooriginários e interdependentes: consideração a si mesmo e consideração ao outro.
Percebemos a enorme diferença no exercício de cidadania, quando observamos uma pessoa alienada e outra que desenvolveu consciência crítica.
O artigo de hoje convoca um elemento transitório fundamental entre esses dois estados de existência: a desalienação de si mesmo.
Querido(a) leitor(a),
fazendo um tour pelo portal Libertária Mente, você vai encontrar todos os nossos artigos, e olha que legal: todo mês, pode ganhar brindes novos! Além disso, vai curtir conhecer a loja e os cursos. E pra você que produz conteúdo sobre consciência crítica, estamos com as inscrições abertas para redatores voluntários. Venha fazer parte da Libertária Mente!
Em primeiro lugar, é necessário que se faça uma distinção sobre uma existência autêntica e outra inautêntica.
Em segundo lugar, ouso afirmar que uma pessoa que viva de forma inautêntica, está alienada de si mesma, e dessa forma, não está modulada para desenvolver consciência crítica.
A pessoa que vive na esfera inautêntica, de existir, tem seu olhar voltado para fora, não consegue entender o que é bom pra si, e se guia pelos manuais morais-sociais de como pensar, como sentir, como agir e reagir, o que comer, o que querer. Ela é desligada de si, e segue um script do que dizem ser bom pra ela, seja lá de onde isso venha (diferentes grupos valorizarão diferentes coisas).
Já a pessoa que vive na esfera autêntica tem uma conexão forte consigo mesma, persegue um projeto existencial e paga o preço pelas escolhas conscientes que faz, sem reclamar.
Dessa forma, na existência autêntica, há um lugar privilegiado para o autoconhecimento e na inautêntica, a alienação começa por si próprio.
Logo, na autenticidade, há lugar para o outro, na inautenticidade, nem mesmo há lugar para a própria pessoa.
Essa dinâmica fica como pano de fundo para todas as atividades das pessoas, como por exemplo: No tipo autêntico, a fala e a argumentação servem para dialogar e construir um terceiro lugar, onde seja possível coexistir – ao passo que no tipo inautêntico, servem para estabelecer desafio e competição, sem mesmo, consideração de qualquer valor que seja diferente do teor defendido.
Quando as pessoas se tornam adultas, não raro, já aprenderam a se separar de sua experiência no mundo, com insensibilidade intencional, até onde conseguem controlar: não prestar atenção ao outro, passar reto pelas cenas difíceis, afetando-se o mínimo por elas. E sentem isso é sinônimo de ser forte.
Vivem contendo seus sentimentos e experienciam seus momentos de forma artificial. O problema é que isso força o embotamento de funções fundamentais para o autoconhecimento e a vida social saudável.
A autoconsciência se passa pela permissão de se experimentar no mundo, de se permitir a presença, de confiar.
Assim, com olhos, ouvidos e poros abertos, podemos experienciar o mundo e as pessoas, e através de insights, nos lançarmos à continua autodescoberta. Uso aqui, o conceito dos sentidos, porque são tangíveis, e fáceis de serem pensados, nesse convite; entretanto, nossa experimentação do outro, muito acontece de forma sutil, delicada, por percepções finas.
Isso decorre de dois processos semelhantes, mas diferentes, cientificamente: a Empatia e a Teoria da Mente (assunto mais técnico, para um outro artigo).
Por Empatia, entende-se a capacidade de acessar o estado emocional do outro, fazendo uma representação mental, dele, dento de si.
A Teoria da Mente é mais racional, envolvendo previsões e intenções, objetivos e motivações.
Para conseguir ver o outro (alteridade), precisamos conseguir nos ver (autoconsciência)
Autoconsciência tem a ver com prestar atenção ao seu processo interno mente-corpo, como meio de obter informação sobre si mesmo.
Isso, porque na maior parte do tempo, fazemos as coisas sem perceber o que, de fato, estamos querendo, automaticamente, como num sonambulismo; nos afinamos numa identificação com o conteúdo do que estamos recebendo, em vez de nos notar o processo (interno).
Caímos, então, numa circularidade, uma repetição do processo. Mais importante do que entender o mundo, é perceber-se habitando o mundo.
Ocupar a posição de autotestemunha imparcial, de onde seja possível observar seus processos interiores e físicos, sem julgar, apenas tendo a paz de aceitar que está reagindo assim ou daquele outro jeito. Decisões sobre as percepções vêm num segundo momento, e são totalmente artesanais, customizadas para casa pessoa.
Outra possibilidade para alcançar o binômio EU-TU (consciência de mim, consciência de tu), é a linguagem: ela também precisa ser contributiva para o autotestemunho e para isso devem ser feitos alguns ajustes, como transformar afirmações impessoais em afirmações na primeira pessoa, transformar fragmentos em frases completas, explicitar o implícito, etc.
Dessa maneira, as pessoas aprendem mais escutando a si mesmas do que a outros. E podem, também, dirigir as palavras de forma adequada a outras pessoas.
Vale à pena a auto-observação sem julgamento. Os jogos da autocondenação e da auto perfeição, colocam a pessoa num caminho de eterna busca-sem-encontro. Testemunhar sem julgar contribui para a atribuição de pesos adequados para cada função, de acordo com o momento.
A decisão, que nasce da briga entre as forças, dá lugar à escolha e à preferência, assim como à harmonia do ser integrado.
O crescimento vem a partir de um lugar de sustentação interior e amor próprio.
Autora: Sonia Menezes
Relacionado
Sonia Menezes é escritora e psicóloga clínica, especializada em telepsicologia. Com formação em Psicologia, conta com uma Extensão em Ética de Direitos Humanos, e é pós-graduanda em Antropologia e Psicologia Social , e também em Diversidade Sexual e de Gênero. Autora do livro “O Amor, o Amar e os Amantes – Uma conversa sobre relações mono e poliafetivas”. Idealizadora dos projetos:
*Rizoma – Psicologia e Saúde Integral
*Zeitgeist – Grupo de Reflexões sobre Tecnologia e Psicologia
*Co-criar – Mulheres da Mantiqueira
*LibertAmor – Estudos sobre Amor e Relacionamentos.
Amante da natureza, cultiva profundo respeito pela alteridade, solidarizando com os movimentos de libertação humana e libertação animal. Sonha com um mundo onde o sofrimento seja minimizado e acredita que o caminho é o despertar da consciência crítica.